Esse é um raro fragmento que outro foi mencionado nos artigos que narram as Guerras de Greyhawk. Este artigo é um registro detalhado sobre um engodo ocorrido nas gélidas terras do norte oriental de Flanaess – Península de Thillonrian.
Espero poder esclarecer muito as perguntas que me chegam acerca desta história sobre a que talvez seja uma das maiores mentiras de Flanaess.
Este fragmento refere-se à trapaça de Iuz nas terras gélidas e fala um pouco sobre a política do ducado de Tenh.
Uma boa leitura!
Texto Original: Gazeta de Greyhawk
Tradução, revisão e publicação: Bruno de Brito.
No norte gélido, bem distante das disputas pelo poder dos reinos de Aerdy, residiam várias tribos de povos bárbaros: os Fruztii (os Bárbaros do Frio), os Schnai (os Bárbaros da Neve) e os Cruski (os Bárbaros do Gelo), além dos saqueadores da Terra do Punho Pétreo. Por séculos, estes bandos atacavam tudo e todos que cruzavam suas terras estéreis ou seus mares. Três dos quatro grupos – Fruztii, Schnai e Cruski – clamavam herança Suelita e inimigos em comum. Entre estes, aparecia em primeiro lugar o povo do quarto grupo, os saqueadores da Terra do Punho Pétreo.
As escaramuças briguentas destes povos primitivos menores deveriam ter permanecido como nota de rodapé na crônica épica da Flanaess. Porém, ressurgiram rumores sobre um antigo artefato – As Cinco Lâminas de Corisco: o patrimônio hereditário bárbaro que consistia em cinco espadas imbuídas de magia espetacular e que estavam perdidas por uma eternidade. Quatro das cinco lâminas foram propositadamente encontradas no coração das Montanhas Corisco. Quando a última espada fosse reunida com seus pares num ritual apropriado, as Cinco Lâminas de Corisco combinariam seu poder e invocariam o Grande Deus do Norte. Esta entidade sobrenatural iria então agrupar as tribos bárbaras e liderá-las em para a vitória contra as terras quentes do sul.
Apesar de incontáveis jovens guerreiros terem morrido em missões nas montanhas altas, ninguém descobriu a quinta lâmina. Apesar disso, em 582 AC, um líder de grande poder e carisma surgiu entre os bárbaros. Ele se chamava Vatun, o Grande Deus do Norte – e tinha o poder para fundamentar o seu título. A aparição de Vatun surpreendeu até aqueles mais convencidos sobre os rumores das Cinco Lâminas, inclusive os reis bárbaros que usavam estes rumores para aumentar sua autoridade. De alguma forma, Vatun parece ter provado seu poder para estes regentes céticos, pois os reis dos Fruztii, Schnai e Cruskii abdicaram sua soberania ancestral para o “onipotente” Vatun, entretanto, não era o que aparentava: o episódio inteiro foi uma fraude. Iuz, com sua astúcia maligna e poderes de semideus, forjou a aparição do deus Vatun, mascarando-o como um messias dos bárbaros. Talvez as Cinco Lâminas de Corusk fossem genuínas e talvez o Grande Deus do Norte (que se chama mesmo Vatun) poderia realmente ter aparecido com a descoberta da quinta lâmina, mas os planos malignos de Iuz findaram toda a procura.
Vatun não perdeu tempo em deliberações. A guerra era iminente entre os bárbaros e o Punho Pétreo. Até quando Vatun apareceu ante seus atemorizados seguidores, os Punhos (como eram chamados os grupos guerreiros daquela terra) convergiam sobre os bárbaros para interromper a cerimônia. Na breve batalha que se seguiu, Vatun facilmente pôs os Punhos em debandada, recebendo daí a adulação prostrada dos bárbaros. Porém, ao invés de esmagar os Punhos completamente, Vatun os buscou como aliados. Poucas semanas depois, Sevvord Barba-Ruiva – antes notório por sua independência – adotou uma postura radicalmente diferente (induzida por meio sobrenatural) e juntou forças com Vatun e sua horda bárbara.
Os Errantes das Estepes Áridas, talvez sentindo o familiar fedor da maldade de Iuz sobre os ventos do leste, provaram serem menos devotos a Vatun. Fortemente independentes, os líderes dos poucos cães de guerra (grupo de corredores de grande resistência, e mestres de combate corpo-a-corpo com faca e machadinha) que ainda restavam recusaram a oferta de aliança com Vatun. Recuando para a grande planície entre Punho Pétreo e Iuz, os Errantes eram ao mesmo tempo protegidos e açoitados por suas terras geladas e hostis.
Apesar de Vatun parecer inconsequente para sábios nas terras civilizadas e apesar do Grande Deus do Norte ser uma farsa, sua aparição irremediavelmente desarmonizou o delicado equilíbrio entre as forças do bem e do mal. O alter ego de Iuz controlava as tribos do norte com mãos de ferro, e com um simples gesto ele as enviou em direção ao sul.
A Terra do Punho Pétreo, agora aliada ao invés de inimiga dos bárbaros, se agrupava para um ataque ao sul. Demonstrando uma selvageria que ultrapassava até a sua reputação, Sevvord Barba-Ruiva, Mestre da Terra, esmagou com sanguinolência todos aqueles que se opunham a sua liderança. Realizando sua poderosa técnica: o Rito de Aptidão na Batalha, realizou um massacre que provou sua ascensão. Ele proclamou que a hora tinha chegado para os Punhos, privados e roubados de suas terras e glória, por seus vizinhos sulistas à prova. Com tamanha demagogia, o Mestre da Terra agrupou um imenso e leal exército bárbaro. Os Punhos estavam famintos por guerra e Sevvord Barba-Ruiva planejava deixá-los banquetear. Sob as ordens de Vatun, O Mestre da Terra do Punho Pétreo liderou seu exército através do Passo do Trovão e mergulhou sobre Calbut, no Ducado de Tenh.
Por décadas e décadas, os atamãs do Punho Pétreo cobiçaram o Ducado de Tenh — uma terra quente e fértil para os padrões severos dos bárbaros. Mas ainda assim, por muitos anos o Duque de Tenh e seus exércitos bloquearam o caminho para aquelas terras ricas. Sediadas na cidade murada de Calbut (21), as patrulhas do Duque Ehyeh vigiavam e guardavam o Passo do Trovão, repelindo pequenas incursões e atrasando maiores invasões até que os reforços da guarnição da cidade pudessem chegar. Por séculos, as cidades muradas e as guarnições de Tenh limitavam os Punhos à pequenas incursões fronteiriças. Preocupados com as escaramuças dos Fruztii, os Punhos não montavam um grande ataque através do passo há mais de 30 anos.
Naquela época, os nativos de Tenh (Tenhas – pronúncia “tên-rras”) tornaram-se complacentes. Acreditando na segurança de sua fronteira norte, o Duque Ehyeh escoou combatentes dos Passo do Trovão para serviços mais urgentes: patrulhas para interceptar criaturas vis das Montanhas dos Griffos e do Charco dos Trolls, forças-tarefas para caçar malfeitores do Abrigo dos Trapaceiros (Rookroost) do território do Reino dos Bandidos, além de manter exércitos ao longo da fronteira progressivamente hostil com a Teocracia do Pálido. Com o Passo do Trovão em silêncio e a Terra do Punho Pétreo distraída, Ehyeh permitiu que a guarda Tenha em Calbut se reduzisse perigosamente.
Em 582 AC, Calbut jazia totalmente despreparada para a tempestade bárbara que varria através do Passo do Trovão. A outrora grande murada da garganta que selava as escarpas do passo tombou ante o ataque furioso dos Punhos e os mensageiros que corriam para entregar o aviso do ataque caíram no meio do caminho. A maré inexorável dos Punhos vazou através do passo, inundou os muros de Calbut e assaltou os portões ainda abertos, pegando completamente de surpresa o comandante da guarnição (22). Todos os homens da cidade foram massacrados e muitas mulheres e crianças foram levados para escravidão.
Apesar da perda de Calbut afligir o Duque de Tenh, ele esperava que a invasão seguisse o curso das incursões anteriores: o avanço pausaria enquanto as hordas sem disciplina saqueassem Calbut. Durante os dias – talvez semanas – que os Punhos gastassem na pilhagem brutal, o Duque Ehyeh iria cuidadosamente agrupar o seu exército e sitiar os bárbaros em seus acampamentos. Lentamente, o duque reuniria todo o exército de Tenh, retirando secretamente suas tropas de outros frontes.
Esta invasão, entretanto, não seguiu o mesmo decorrer dos ataques anteriores. Enquanto as forces de Tenh se agrupavam para emboscar os Punhos, Sevvord Barba-Ruiva novamente instigava suas tropas adiante. Na breve campanha que seguiu, os Punhos marchavam descendo um afluente do Rio Zumker, sobrepujando facilmente as fileiras magras de milícia Tenha em seu caminho. Cinco dias após a queda de Calbut, a horda de Sevvord sitiou a capital murada de Tehn, Nevond Nevnend.
Sem a presença asseguradora do Duque Ehyeh, os cidadãos entraram em pânico. Rumores de silos de grãos vazios incitou uma turba de camponeses temerosos, que marcharam para a cidadela. Numa grotesca e exagerada reação, o Conselho dos Lordes lançou a guarda da cidadela contra a turba. O protesto degringolou para uma revolta que se espalhou em cada canto da cidade. Enquanto o pânico da turba chegava um ponto de efervescência no interior dos muros de Nevond Nevnend, Sevvord Barba-Ruiva sitiava pelo lado de fora. A capital caiu, e com ela, toda a autoridade em Tenh.
Após os desastres gêmeos de Calbut e Nevond Nevnend, os exércitos de Tenh foram dizimados. Os Punhos de Sevord facilmente circulavam através do interior do ducado e para o Bosque Fosforecente. O duque e a duquesa, junto com seus filhos, fugiram de sua terra natal, encontrando refúgio na corte da Condessa Belissica de Urnst.
As notícias da queda de Tenh disseminaram pela Flanaess como uma nuvem retumbante de mau agouro, despertando reações por todos os lados. A conquista de Sevvord Barba Ruiva soava como um badalar fúnebre sobre a terra. Os mensageiros sussurravam as notícias no ouvido de reis e imperadores, dizendo “O martelo caiu. A hora chegou.” A grande guerra causava a primeira sangria.
O mais devastado pela queda daquele martelo era o deposto Duque Ehyeh. Na cidade de Radigast, ele e seus cortesões costuravam uma corte em exílio. O caráter decisivo de sua derrota deixava a reputação do duque mutilada. Erros de cálculo foram aumentados para falta de firmeza, azares foram considerados inaptidão, desespero transformado em despotismo. O duque arrasado apelou para sua benfeitora para a obtenção de fundos e um exército para reconquistar sua terra natal. A Condessa de Urnst indisposta a abusar das antigas tradições e direitos da nobreza, lhe proveu refúgio e até custeou sua corte, mas recusou-se a bancar ajuda adicional.
As demais nações não se encontravam em generosidade maior. A Teocracia do Pálido, apesar de desgostosa em ter Sevvord Barba-Ruiva ao seu lado, há muito desconfiava e desgostava os Tenhas de qualquer maneira. O Prelado Supremo do Pálido recusou-se a voluntariar um exército para o Duque Ehyeh comandar, optando ao invés por fortalecer suas próprias fronteiras e preparar para tomar Tenh para si. O Rei de Nyrond, apesar de simpático à causa do Duque Ehyeh, reservava suas tropas e fundos para conter a trovoada ameaçadora que ameaçava rugir de seu velho rival, o Grande Reino.
Ao mesmo tempo, Iuz sofria o seu primeiro revés. O povo de Fruztii, Cruski e Schnai, rivais de longa data do Punho Pétreo, consideraram uma afronta a manobra ousada de Sevvord. Tenh sempre tinha apoiado os bárbaros em suas lutes contra o Grande Reino e o Marquesado dos Ossos (Bone March). Como parte deste apoio, o Duque Ehyeh costumava fazer vista grossa para o comércio de armas que cruzava Tenh oriundo do Abrigo dos Trapaceiros até Krakenheim. Agora, entretanto, O Mestre da Terra do Punho Pétreo fechou as rotas de caravanas, apreendendo todos os carregamentos de armas para benefício de seu próprio povo. Enraivecidos por sua perda e sentindo-se traídos pelo “Grande Deus do Norte”, os bárbaros começaram a duvidar de Vatun. A aliança de engôdos de Iuz tinha começado a erodir.
Os reis bárbaros resistiram ao chamado de Vatun para atravessar Ratik em atropelo e invadir o Marquesado dos Ossos. Apesar das tribos humanoides de orcs e goblinóides do marquesado serem inimigos ferrenhos, os bárbaros sentiam-se proibidos de invadir Ratik. O pequeno arqui-baronato tinha cooperado com os bárbaros por muitos anos, criando fortes laços entre ele e as terras do norte (23). Apesar de estarem bem dispostos a lançar incursões marítimas contra Marquesado dos Ossos e o Grande Reino, os bárbaros recusaram até as ordens de Vatun para marchar sobre Ratik. Na medida que os primeiros meses da guerra findavam, a aliança nortista entrara em colapso.
E assim, a farsa que engatilhou a grande Guerra encontrou seu fim, mas não antes de Iuz tornar o Punho Pétreo um firme aliado a sua causa. E apesar da aliança mais ao leste ter entrado em colapso, Iuz desviou com sucesso a atenção dos bárbaros para longe do ocidente. Ao invés de atravessarem passos montanhosos, os bárbaros lançariam incursões navais ao longo da costa do Grande Reino.
(21) A fortificação da fronteira precede a fundação do Ducado de Tenh. As primeiras defesas foram construídas pelos Aerdy, uma muralha com torres no topo do passo. Calbut evoluiu naturalmente na base do passo e já era fortificada na época da rebelião dos Tenhas contra o Grande Reino.
(22) Dito vaidoso e incompetente, dizem que Margeist de Redspan foi alocado como administrador de Calbut por ser o local “onde causaria menos problemas”. Enquanto estava sendo investigado pelo Cavaleiro-Magistrado de Tenh pela acusação de desvio de fundos do tesouro da guarnição, a invasão surgiu e Margeist desapareceu. Alguns sugerem que ele traiu Calbut e utilizou a invasão como meio de ocultar sua fuga.
(23) Particularmente, o rei da nação bárbara mais fraca, os Fruztii, lucravam enormemente pelo seu pacto com Ratik. O arqui-baronado ajudava os Fruztii em liberar o passo norte dos Punhos e também em acumular força suficiente para se libertar da dominação dos poderosos Schnai.
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