Continuação das Guerras de Greyhawk. Clique Aqui para ler a Parte II.
Mártires da Defesa Sagrada
Em 583 CY, Iuz retornou a sua terra natal. A curta ausência a qual ele se sujeitara para empregar suas trapaças sobre os bárbaros ameaçava reduzir seu império maligno a um estado turbulento novamente. Contrariado pelos contratempos no leste (pelo abandono dos bárbaros suelitas) e determinado em silenciar insubordinações internas, Iuz reestruturou sua nação. Os esparsos humanos das antigas casas nobres de Furyondy – vermes humanos, fracos demais para resistir a Iuz e sem qualquer moral para fugir – foram depostos ou executados. Em seus lugares, Iuz colocou seres profanos do Abismo: demônios nabassus, meio-demônios, hezrous, mariliths e vrocks. De alguma forma o Ancião os coagiu para realizar sua vontade[22].
[22] A. Yamoskov, um sábio da cidade de Rel Mord, teoriza que, de acordo com o Codex de Mordenkainen, Iuz mantinha itens relacionados à força vital dos demônios, podendo então forçá-los a sua vontade. Ele argumenta que, durante o “aprisionamento” de Iuz nas masmorras de Zagyg, o semideus (Obs: Iuz Só conseguiu status divino após emergir de sua prisão) foi na verdade banido do plano em que se encontrava indo parar no material. Durante este exílio, Yamoskov sugere que Iuz colecionou estes itens.
Não apenas o Senhor do Mal se empenhou na reconstrução de suas próprias terras, mas também estendeu suas garras à Sociedade dos Chifres para substituir os líderes de lá. Os Terríveis e Medonhos Aspectos, os Hierarcas, facilitaram esta tarefa para ele. Os Hierarcas reinavam em velada reclusão, ocultando suas identidades humanas de seus súditos humanoides monstruosos (orcs, goblins, etc). Rumores que os Hierarcas fossem grandes senhores infernais surgiam entre estes humanoides da Sociedade dos Chifres – rumores que os Hierarcas cultivavam para consolidar seu poder. Iuz decidiu então tornar estes rumores uma realidade. No mês de Inverno, no ápice do Festival da Lua Sangrenta, as cidadelas de Molag foram tingidas de vermelho com o sangue que fluía enquanto Iuz orquestrava o seu golpe. Em menos de uma noite, os Hierarcas viraram lenda e Iuz obteve controle absoluto sobre a Sociedade dos Chifres.
A pretensão de Iuz por poder e armas para guerrear não passou despercebida. Os espiões de Furyondy retornaram ao Rei Belvor IV com os relatos de crescentes exércitos de humanoides. Tais notícias poderiam muito bem serem escritas no sangue dos espiões, entretanto, a maioria dos agentes humanos foi descoberta e morta, cerrando virtualmente os olhos e ouvidos do Rei Belvor naquela região. Quando os poucos espiões restantes alcançaram-no, todavia, o rei de Furyondy atentou para o destino de Tenh e imediatamente passou a reforçar sua defesa. As cidadelas ao longo do rio Veng foram abastecidas e reforçadas por guarnições esperando um ataque imediato. Os vassalos de Belvor criaram milícias e deslocaram tropas para o rio Veng. Emissários viajaram para a Terra dos Escudos e para o Arquiclericado de Veluna para alertá-los e dar apoio para a guerra. Belvor estava determinado em não permitir a queda de Furyondy.
Os emissários do Rei Belvor na Terra dos Escudos receberam uma recepção gélida de Lorde Holmer, Conde de Walworth e comandante dos Cavaleiros da Defesa Sagrada. A relação entre os dois soberanos sempre tinha sido complicada. Apesar de ostentosamente aliado com Furyondy, o conde há muito suspeitava que Belvor pretendia anexar a Terra dos Escudos. Assim, as notícia do mensageiro sobre o acúmulo de exércitos em Molag (capital da ex-Sociedade dos Chifres) pareceu suspeita para Lorde Holmer: ele não desprezou o aviso inteiramente, mas suspeitava que o Rei Belvor estava exagerando sobre a ameaça. Holmer sentia que seria mais perigoso admitir os poderosos cavaleiros de Furyondy em suas terras para ajudar na defesa do que enfrentar a escória da Sociedade dos Chifres com os seus próprios cavaleiros.
Na chegada do mês de Flocos, Iuz atacou. Na calada da noite, ao longo das margens dos rios Veng e Ritensa, os humanoides monstruosos da Sociedade dos Chifres lançavam ataques de reconhecimento. Nenhum destes fez mais do que um pequeno avanço contra os Cavaleiros do Cervo e da Defesa, mas seus ataques conseguiram ainda assim atingir o seu objetivo. Enquanto Rei Belvor e Lorde Holmer vigiavam de forma míope a fronteira de seus rios, as verdadeiras legiões de Iuz marchavam para o leste, vadeando o Ritensa ao norte da Terra dos Escudos, invadindo a Confederação dos Senhores Livres (Reino dos Bandidos). Estes insignificantes chefes guerreiros foram facilmente coagidos pela força de Iuz e dado o número de espiões recentemente executados, o Ancião estava confiante de que Belvor e Holmer não enxergaram suas manobras.
E de fatos eles estavam cegos. Lorde Holmer só descobriu a marcha das tropas de Iuz que estavam lhe flanqueando após as hordas humanoides terem penetrado a fronteira leste. Percorrendo de forma enfurecida os campos abertos da Terra dos Escudos como fogo no gramado, as hordas se dirigiam para Critwall. Quando este relato sombrio chegou a Lorde Holmer, ele retirou todos os homens, excetuando uma fileira de cavaleiros, das fronteiras dos rios e pessoalmente lutou por seu retorno para sua capital desguarnecida, Admundfort. Mais da metade dos cavaleiros tombaram no caminho de volta para a ilha lacustre, mas aqueles que alcançaram o Lago Nyr Dyv incendiaram tantos barcos quanto puderam, daí velejando através do canal para a capital. Esfarrapados e cansados, os cavaleiros remanescentes não podiam manter a capital ante o ataque furioso dos invasores, mesmo que estes tivessem atravessado em barcos a remo e traineiras. Admundfort e Criwall caíram, bem como o Lorde Holmer, sequestrado para as masmorras sob a capital de Iuz, Dorakaa.
A queda da Terra dos Escudos deixava o flanco de Furyondy exposto, uma ameaça que o Rei Belvor agiu rapidamente para bloquear. Os senhores feudais percorriam a nação, organizando vastas milícias para complementar as magras fileiras da Ordem do Cervo, além de convocar tropas às pressas da fronteira com a floresta Vesve. Estas novas tropas e os reforços confrontaram os humanoides monstruosos na Batalha da Ponte Critwall, infligindo um duro golpe nas forças de Iuz. Os exércitos de Furyondy repeliram os humanoides hostis e mantiveram a linha de defesa do rio Veng contra os avanços do inimigo.
Golpe e Contragolpe
Apesar de despreparada, Furyondy não estava complacente. O Rei Belvor IV, enquanto estava formando tropas em sua terra, despachara seus conselheiros e diplomatas mais convincentes para as cortes do sul. Embaixadores traziam notícias alarmantes para Celene, Bissel, Veluna, os Uleks (Principado de Ulek, Condado de Ulek e o Ducado de Ulek) e – mais importante de todos – o reino de Keoland. Com apaixonada eloquência, os emissários alertavam sobre as terríveis consequências se os reinos do norte caíssem. Eles urgiram às nações a se aliar e daí conter o avanço do mal, definitivamente. As suas palavras não foram em vão: a maior parte dos líderes atentou para este chamado, mas se perguntava quão escassa ajuda poderiam providenciar e por quanto tempo poderiam atrasá-la antes de seu envio.
Enquanto isto no leste, o rei Archbold III de Nyrond finalmente se recobrou do choque da derrota de Tenh. Livrando-se das acusações de que ele tinha permitido o colapso daquele problemático ducado, o Rei Archbold decidiu provar indubitavelmente o seu apoio. Ciente dos relatos de que os Punhos estavam impiedosamente pilhando o ducado caído, Archbold marchou para o norte para o Bosque de Nuther. Contingentes de elfos permitiram que ele infiltrasse facilmente o Bosque Fosforescente e sobrepujasse os poucos Punhos que se alojavam lá. Sem maiores alertas, os nyrondêses emergiram da floresta.
Entretanto, diferentes dos Tenhas, os Punhos não caíram em pedaços simplesmente. Archbold defrontou-se com um inimigo determinado. Enraivecido por este ataque surpresa, Sevvord executou alguns poucos comandantes menos brilhantes para servir de exemplo para os outros, daí sacrificando muitos Punhos para atrasar o avanço de Nyrond enquanto ele agrupava suas forças fora da vila de Ternsmay. Apesar de estar em desvantagem numérica, Sevvord tinha o terreno a seu favor. Na batalha que se seguiu, nenhum lado ganhou preponderância. Após lutar bem depois do anoitecer[23], os Punhos recuaram e fortificaram sua posição. Apesar de Archbold ter saído vitorioso, esta vitória foi amarga, pois ele não poderia arriscar maiores avanços sobre Tenh. Ele conseguiu, todavia, forçar Barba-Ruiva para uma postura defensiva também. A batalha terminou num impasse e os exércitos passaram as próximas e tediosas semanas vigiando seus inimigos através de uma milha de terra de ninguém.
[23] Sevvord Barba-Ruiva quebrava o costume normal de interromper o conflito ao anoitecer, confiando ao investir em tropas com visão no escuro para manter o ataque.
Porém, Iuz não tinha intenção de permitir que sua sequência de vitórias chegasse ao fim. Utilizando os saques obtidos da Terra dos Escudos, Iuz empregou mercenários goblinoídes, orcs e outros humanoides selvagens da Floresta Vesve[24]. O exército mercenário desceu de Vesve, atropelando a guarda fronteiriça de Furyondy e capturando Crockport. A capital de Furyondy, Chendl, jazia diretamente, aberta e desguarnecida, por esta trajetória. Se não fosse por uma confederação composta às pressas por cavaleiros e pelo Povo Alto (nação existente dentro da Floresta Vesve predominada por elfos, especialmente da etnia alto elfos), Chendl poderia ter caído no próximo crepúsculo. A esfarrapada força de Povo Alto e dos cavaleiros se recusava a lutar contra os orcs em área aberta, fustigando-os em guerrilha ao invés. Apesar do avanço dos orcs ter continuado, ele foi suficientemente atrasado para que os defensores de Chendl se preparassem. No mês de Colheitas, todavia, a capital de Furyondy estava cercada.
[24] Inegavelmente, o dinheiro veio da Terra dos Escudos. Um grupo de aventureiros de Perrenland saqueou o tesouro de um chefe orc de Vesve e encontrou prataria da mesa do Lorde Holmer!
As notícias sobre Chendl infligiram um duro golpe no Rei Belvor IV. Iuz mantinha a Terra dos Escudos, a Sociedade dos Chifres testava suas fronteiras constantemente e agora sua Província de Farwain e Chendl – talvez a mais bela cidade de toda a Flanaess – encontravam-se sitiada!
Furyondy Sitiada
Pior ainda, nenhuma ajuda tinha chegado. Os relatos dos embaixadores foram desencorajadores. Lorde Kendall escreveu de Celene para declarar que Sua Majestade Faérica, Yolande, estava “distintamente ambígua ao ser pressionada sobre quantas tropas ela poderia considerar suficientes para satisfazer sua obrigação ou quando ela poderia conceber que seria apropriado mobilizá-las”. Os relatos de Bissel não eram melhores: o marquês expressava preocupação com os cavaleiros de Ket, que poderiam atacar sua fronteira enfraquecida. O Comandante do Grande Marquesado insistia que apenas agiria em conjunto com Keoland e Keoland permanecia enlouquecedoramente silenciosa.
Internamente, as Sete Famílias (as casas nobres de Furyondy) começavam a se queixar dos custos da guerra. Além dos recursos gastos, elas lamentavam a renda perdida. As novas milícias tinham privado o campo de jovens, deixando a colheita amadurecida apodrecer nos campos. Enquanto isso, os agentes de Iuz infiltravam-se no país, semeando a discórdia entre os pobres famintos. O Rei Belvor endurecia seu rosto com estes contratempos quando qualquer homem inferior poderia ter se rendido ao desespero.
Nem todas as novidades eram sombrias, entretanto. Os cavaleiros tinham conseguido frear o avanço orc em Farwain e os humanoides podiam fazer pouco mais do que cercar Chendl. As incursões da Sociedade dos Chifres ocorriam com menor frequência e organização. Melhor de tudo, o Cânone de Veluna enviou a notícia que suas forças estavam apressando a marcha para se juntar a Furyondy. As notícias de Nyrond, também – apesar de não terem sido as melhores – ao menos indicavam que os Punhos estavam contidos. Depois de considerar estes assuntos encorajadores, Rei Belvor instigou seu espírito e retornou à luta.
A primeira tarefa de Furyondy, mais política do que estratégica – era quebrar o sítio a Chendl. Apostando na natureza caótica das tribos que cercavam a cidade[25], Belvor deixou a maior parte de sua força na fronteira do rio Veng e pessoalmente liderou um comando de unidades de elite contra a força sitiante. Os cavaleiros de Belvor encontravam-se em vasta inferioridade numérica, mas através do planejamento estratégico e com a ajuda de magos e feiticeiros, eles prevaleceram. Os cavaleiros cortavam através das fileiras de humanoides e imprensavam os sitiantes contra os muros da cidade. Em pouco tempo, os campos ao redor de Chendl era um cemitério fumegante de goblinoídes e o caminho para a capital de Furyondy estava aberto mais uma vez.
Nesta hora, tanto Iuz quanto Furyondy tinham seus recursos distendidos ao seu limite. O ritmo furioso da guerra tinha exaurido as reservas de homens e suprimentos. Ao decorrer dos meses de Passagens, Limiar e Sunsebb, ambas as nações arrastaram-se para restaurar as provisões de suas forças.
[25] G. Ivril acredita que a força sitiante consistia de pelo menos cinco grandes tribos de orcs: os Vrunik, Faarsh, Jukko, Haggnah e Karaki. Porém, o exército de Vesve certamente deve ter incluído outras raças, especialmente goblins e hobgoblins, logo a lista de tribos de Ivril é claramente incompleta.
O Grande Reino Desperta
Até este ponto, o conflito que se tornaria a grande Guerra de Greyhawk era visto pela maioria das nações como apenas mais um conflito regional – ainda que volátil – entre umas poucas nações do norte. Os estados da Liga de Ferro e aqueles adjacentes a Keoland viam pouco propósito em ajudar as nações sitiadas, ainda menos para fortificar suas próprias fronteiras contra ataques. Mas os regentes destas nações eram, como todos os mortais, cegos aos planos do Destino.
Seja devido à loucura — como alguns tinham sugerido— ou pela ambição política, o Rei Supremo do Grande Reino escolheu aquele momento para adentrar a arena da guerra. O louco regente há muito cobiçava Nyrond e Almor, mas as duas nações sempre se mantiveram unidas contra as suas legiões. Os problemas recentes em Tenh, todavia, providenciaram ao Rei Supremo a distração perfeita para Nyrond: o Rei Archbold estava afastado no norte distante com um grande contingente de seu exército (combatendo os Punhos) e as tropas remanescentes, ainda que não estavam indefesas, ficariam numa desvantagem de dois para um contra as forças do Rei Supremo.
Outros fatores também convenceram Ivid V que o Reino de Nyrond e o Prelado de Almor estavam maduros para serem colhidos numa conquista. Por algum tempo, o Rei Supremo tinha cortejado os humanoides selvagens do Marquesado dos Ossos, mas estes sendo sanguinários e primitivos, não viam ganho qualquer em suas ofertas. Desta vez, um embaixador voou ao norte em um dos tapetes pessoais do Rei Supremo para fazer uma nova proposta: em troca de uma aliança, os orcs do Marquesado dos Ossos iriam ganhar terras e saques – tudo de Nyrond.
Enquanto o emissário entregava esta proposta, o Rei Supremo agitava os tambores da guerra em sua própria terra para compelir seus primos de mentalidade mais independente para se juntar ao campo de batalha. A Província do Norte, sentindo uma mudança perigosa de ventos, apoiou Ivid[26], raciocinando que apesar dele ser um amigo não-confiável, seria realmente horripilante tê-lo como inimigo. A Província do Sul estremeceram, temendo vingança por seus fracassos passados contra Onnwall. O Bispado de Medegia mantinha-se desafiador, com o Sagrado Censor confiante em seu poder em manter o louco Ivid em cheque. Apesar do Rei Supremo ficar ofendido por esta recusa, ele não tomou ação contra o seu prelado[27]. Para aumentar ainda mais as fileiras de seu exército, o Rei Supremo espoliou os cofres reais já quase esvaziados e pagou enormes somas para bandos de mercenários. Notícias desta generosidade se espalharam além da Cidade de Greyhawk. Até as fileiras de Furyondy e Nyrond diminuíram na medida que soldados contratados resolveram buscar uma remuneração melhor ao leste.
[26] Embora não tenha apoiado tão intimamente, para que o Duque do Norte não fosse apunhalado por seu próprio lado.
[27] As estórias contam que, lívido por sua impotência ao não conseguir forçar o Sagrado Censor na aliança, o louco Rei Supremo ordenou o assassinato de 100 concubinas do Sagrado Censor para aliviar a sua raiva.
Com um exército considerável, mas de pouca confiabilidade, o Rei Supremo atacou em várias direções de uma só vez. Seu Exército das Glorioles cruzou o Rio Thelly e adentrou a cadeia montanhosa das Glorioles. Após atravessar uma dura resistência nestas montanhas, o exército adentrou ao sul para o Condado de Sunndi. O Exército Aerdy de Ivid marchou lentamente em direção a Chathold, capital de Almor. O seu Exército do Norte entrou a Floresta Adri perto do Edge Field, em direção à Innspa, em Nyrond. Enquanto isso, a grande força de campo da Província do Sul marchou para as Colinas de Ferro, tentando novamente tomar a cidade de Portão de Ferro.
A Incursão de Osson
As intenções do Grande Reino dificilmente poderiam passar despercebidas. Uma nação que tinha toda sua atenção era o Prelado de Almor. Este pequeno reino há muito testemunhou a ambição brutal do Rei Supremo em atividade e sabia então como não ser pego de surpresa. O Prelado Kevont tinha organizado pessoalmente uma extensa rede de espiões para monitorar as terras do monarca louco. Esta rede reportava naquele momento a agregação e movimentação de imensos exércitos em todas as terras do reino. Quando ele recebeu este relato, o Prelado Kevont despachou mensageiros para Nyrond e para a Liga de Ferro e mandou empunhar o estandarte de guerra por todo o país. Com a rapidez de um povo que sempre se equilibrava sobre a ameaça da guerra, as defesas de Almor estavam totalmente preparadas.
Um líder prudente, Kevont não assumiu pessoalmente o comando das tropas almorianas. O velho prelado há muito liderava sua nação sabiamente reconhecendo o melhor homem para cada tarefa. Neste caso, o melhor homem era o Honrado Osson de Chathold. Kevont apontou o enérgico e jovem cavaleiro como Comandante de Campo, tendo cada cavaleiro e homem livre das forças de Almor sob seu comando.
O Comandante Osson teve pouca dificuldade em perceber a grave situação que Almor se encontrava. O Grande Reino poderia esmagar o pequeno país através de seu grande número de tropas – e aparentemente pretendia fazer isto. Apesar do dilema estar claro, a situação não estava. Reconhecendo que Almor não podia ser defendida contra tamanho inimigo, Osson decidiu tomar a ofensiva – empregando uma ousada incursão nas terras do Grande Reino para impedir as forças inimigas de atacar externamente. O plano teria encontrado objeções consideráveis dos cavaleiros mais velhos e “sábios” se o prelado vacilasse o seu apoio por seu escolhido, em um instante que fosse.
O plano era simples e ousado. Osson dividiria seu exército em duas forças, colocando a primeira ao longo da fronteira com o Grande Reino. Reduzido demais para bloquear uma grande invasão, este exército patrulhava e vasculhava agressivamente a fronteira. O seu rigor o faria aparentar possuir o dobro de seu tamanho real, e assim adiando qualquer ataque pelos aerdianos[28]. A segunda metade do exército consistia de toda a cavalaria possível, viajando sob o comando pessoal de Osson. Bagagem, notoriamente complicada e desajeitada para a maioria dos exércitos[29] era praticamente proibida. Osson ordenou que cada homem vivesse na sela, abandonando todos o conforto normalmente carregado. Para as forças inferiores de Almor, a velocidade poderia fazer diferença entre a vida e a morte.
[28] Osson media os seus inimigos corretamente. O Exército Aerdy, o mais forte do Grande Reino, não portava apenas combatentes, mas também cortesãos, especialistas em alcovitar e bajular o Rei Supremo. O Grande Déspota do exército, sua Alteza Yindil de Jalpa, habitualmente comandava seu regimento do conforto de seu palácio, ao invés de aguentar os rigores de uma campanha real a 320 km de distância. Os seus subordinados não eram melhores, rivalizando mais entre si do que contra o inimigo, cada um procurando desacreditar seus colegas e assim obter favor aos olhos dos censores temíveis do Rei Supremo.
[29] O Exército Aerdy providenciava um belo exemplo de bagagem militar inútil. Apesar de não haver contagens acuradas, Preboste estimou numa carta para sua esposa que as carroças de bagagem para suas tropas se estendiam por 64 km atrás da retaguarda e levavam três dias para serem dispostas em um único lugar. Entre itens notáveis neste comboio, havia 5.000 mulheres, 500 garotos, duas troupes de teatro e 50 rouxinóis em gaiolas ornadas!
Tendo dividido as suas forças, Osson colocou seus planos em andamento. Sabendo que nenhum de seus exércitos poderia resistir a atenção total do Grande Reino por muito tempo, o comandante esperava distrair os exércitos de Ivid para longe de Almor. O Prelado de Almor precisaria de tempo para que a ajuda de Nyrond chegasse e se Osson conseguisse atormentar o louco Ivid como uma vespa dentro de um elmo, o Rei Supremo poderia até nem chegar a atacar. De qualquer forma, Osson preferia manter a batalha em solo aerdiano.
Osson primeiro atacou ao sul, cruzando a Floresta Thelly. Com rapidez e surpresa a seu lado, os cavaleiros derrotaram facilmente as tropas mal treinadas de Ahlissa e mergulharam na Província do Sul. A terra logo caiu em desordem. Os camponeses, há muito oprimidos por seu duque, deram as boas-vindas às tropas almorianas. O próprio duque foi lento em sua resposta, pois o grosso de suas tropas estava na fronteira oeste, preparando para atacar a cidade de Portão de Ferro. Apressando destacamentos de seu exército em direção ao leste, o duque aceitou relutantemente as ofertas de ajuda do Rei Supremo[30]. O exército Aerdy marchou para sudoeste para engajar os intrusos, mas antes que qualquer uma das forças pudessem capturá-lo, Osson avançou novamente.
[30] Ivid estendeu estas ofertas não por amizade ou parentesco, mas porque o Rei Supremo enxergava a chance de assegurar um controle mais forte sobre o seu primo vacilante.
Ao invés de retornar para Almor, Osson liderou suas tropas para a floresta Rieu ao norte de Sunndi. O Exército das Glorioles do Rei Supremo, apesar de vitorioso, sofreu pesadas perdas na conquista de Sunndi. Osson calculou que uma derrota naquele condado iria desviar a atenção de Ivid para longe de Almor. Após atravessar o bosque, o Comandante Osson descobriu que as forças do Rei Supremo já estavam arrumadas e preparadas contra ele. Mesmo com suas as perdas significantes, o Exército das Glorioles teria provado ser um adversário à altura dos almorianos, mas os aerdianos não tinham um gênio como general ao seu lado. Na Batalha de Rieu, Osson iniciou a tática de falso recuo que veio a se tornar a sua marca registrada. Acreditando que a cavalaria inimiga tinha debandado, os aerdianos passaram a persegui-los, apenas para dar de encontro a uma emboscada mortal. O Exército das Glorioles foi dizimado.
Depois de uma breve pausa para se reorganizar, proclamar a liberação de Sunndi e recrutar voluntários, Osson partiu novamente. Cruzando as Montanhas Glorioles, o comandante fez um ataque em Nulbish no Rio Thelly. Infelizmente, a boa sorte que o acompanhara até este ponto o abandonou. O comandante da guarnição em Nulbish, Magistar Vlent, possuía o treinamento militar que outros comandantes de Aerdy careciam. Recusando-se a lutar fora da cidade, Magistar Vlent usou uma pequena e bem armada frota no rio para manter sua linha de suprimentos e acossar os almorianos. Após várias semanas de um cerco inútil, Osson recebeu a notícia que o Exército Aerdiano estava descendo do norte. Qualquer retorno para Almor tornou-se claramente impossível, pois um imenso exército agora bloqueava o caminho.
Muitas opções – todas sombrias – vieram a ser debatidas no conselho de guerra de Osson[31]. Alguns dos cavaleiros discutiam um retorno, lutando através do caminho, até Almor, outros sugeriam passar o inverno em Sunndi e alguns até propuseram uma carga até Rauxes, capital do Grande Reino! Enfim, Osson escolheu nenhuma destas sugestões, conclamando ao invés uma marcha ao Bispado de Medegia. Pela segurança de Almor, Osson argumentava, a cavalaria precisava continuar a pressionar o Grande Reino. Se as informações eram corretas que o Domínio das Ilhas e a Liga de Ferro estavam planejando uma aliança, certamente a frota do domínio poderia providenciar uma fuga para a cavalaria almoriana.
[31] Thredus, mago pessoal e cronista do Comandante Osson, registrava fielmente estes conselhos de guerra. “O Verdadeiro Relato da Grande Campanha Almoriana” de Thredus compreende cinco volumes e descreve tanto relatos históricos das batalhas como também informação biográfica sobre o próprio Osson.
Apesar do ataque em Medegia ter surpreendido o Rei Supremo, a sua reação foi igualmente surpreendente. Assim que as intenções de Osson ficaram claras, Ivid ordenou a seus exércitos a interromper sua perseguição. A rebelde Medegia não receberia ajuda do Grande Reino. Numa série de impressionantes batalhas campais, o exército de Osson esmagou as forças do Sagrado Censor e tomou as terras desde Pontylver até Charneca Solitária (Lone Heath). Spidasa, o Sagrado Censor, fugiu para Rauxes para implorar perdão a sua majestade imperial. Não houve uma compaixão manifesta e Ivid V prendeu seu clérigo-chefe e o sentenciou para a Morte Sem Fim[32].
[32] Vítimas da Morte Sem Fim são forçadas a usar um anel da regeneração enquanto torturadores interminavelmente praticam sua arte sobre elas. Estes torturadores, treinados desde a infância para medir perfeitamente a intensidade e a extensão da dor, sempre pausavam a um passo de causar a morte ao torturado. Os rumores contam sobre vítimas desta punição que foram torturados pelos avôs, pais, e filhos da mesma família do torturador (Estes anéis na verdade tratavam-se de anéis da eternidade, seu usuário nunca envelhecia graças a poderosa regeneração mágica imbuída no anel)
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