A raça dominante de Flannaes, os homens, são dotados de uma capacidade criativa enorme e o senso de expansão comum apenas a esta raça. Se criados com boa educação, alimentação e orientação familiar, se tornam exemplares da ordem e da paz, porém quando submetidos a situações de stress, fome, frio e violência, desperta-se neles múltiplos sentimentos que vão da ordem ao caos absoluto. Grandes ditadores nascem assim, conquistadores são forjados mediante experiências extremas, Déspotas ficam conhecidos por décadas na história de seu povo, todavia, alguns homens conseguem também usar esse reforço negativo de forma completamente contrária, se tornando mártires, paladinos e figuras heroicas, talvez seja o caso desse personagem criado pelo jogador Fabrício Nobre.
“Dor.Escuridão.Sinto o sabor de sangue na boca”…
Dizem que, a beira da morte, vemos a vida passar diante de nossos olhos na velocidade de um raio…
– Meu nome é Eophain Al’Durkan. Estou com 10 anos. Estou guiando uma carroça ao lado de meu pai. Ele, um guerreiro Oerid aposentado, agora comerciante. Estamos voltando de viagem, felizes pelo lucro obtido com a venda de temperos e especiarias. Meus pais produzem condimentos e os vendem em pequenos mercados nas vilas locais nos arredores de Borough Livre. Minha mãe esta contabilizando as moedas ganhas no interior da carroça. Vamos voltar para casa após um longo período fora. Estamos felizes.
Um clarão. A cena muda. Estou no chão. Há fogo por toda parte. Pedaços da carroça estão espalhados pelo chão. Os cavalos estão mortos mais a frente. Não vejo meus pais. Sombras tremulam atrás do que parece ser a parte maior da carroça. Ainda no chão e com dores por todo corpo, me arrasto para mais próximo. Risadas, zombarias, um choro feminino. Vejo Eleanor, minha mãe, aos pés de um homem. Há outros em volta. Eles riem alto. Estão se divertindo.
De repente, algo é arremessado. Voa displicentemente, girando no ar, como um boneca de pano solta em uma forte ventania. O corpo cai ao lado de minha mãe e, mesmo a distância, vejo o horror em seus olhos, horror que também me invade na velocidade de uma flecha. Ali, aos pés de minha amada mãe, jaz sem vida Aldaghor, meu pai.
Estou em choque. Não consigo emitir um único som. Somente as lagrimas escorrem livremente por meu rosto. Os homens gargalham ainda mais ao ver minha mãe, em desespero, se debruçar sobre o corpo sem vida de meu pai. Um dos homens estende a mão. Um outro, lhe entrega uma lança. Meu coração jovem, mesmo sem experiência, já sabia o que aconteceria a seguir.
A lança desceu veloz, varando corpos como papel. A lâmina atingiu as costas de minha mãe e parou no chão de barro, abaixo do corpo de meu pai. Vejo a vida se esvair do corpo de minha mãe enquanto ela acaricia os cabelos de meu pai. Ela parece aceitar a morte que lhe abraça devagar, imaginando que, a aquela altura, também estou morto. Ela não sabe mas seu filho esta logo ali, escondido, sofrendo por perder sua família.
A dor é imensa. Não conseguindo mais controlar, deixo murmúrios escaparem de minha boca, denunciando meu esconderijo. Os homens se viram ao ouvir meu choro. Eles sorriem. A matança para eles recomeçou.
Outro clarão. Agora estou de costas para o chão. Acima de mim, um homem segurava outra lança. Deveria estar prestes a me matar quando foi surpreendido. Pareciam esta sob ataque agora. Gritos e vozes inundam o ambiente. Flechas e lanças assobiam no ar. O ataque é rápido. Logo muitos dos assassinos estão no chão. Poucos agora restam e lutam contra os atacantes, um grupo de cavaleiros com espadas e armaduras reluzentes.
Aproveitando o descuido do assassino que me ameaçava, eu me esgueiro para longe. Um guerreiro forte, que me lembrava os cavaleiros das historias de meu pai, aproxima-se e os dois começam a lutar. As chamas que ainda queimam os restos da carroça reluzem na armadura do guerreiro. Ele lembra a imagem de meu pai, na época de guerreiro, nas pinturas em minha casa.
O guerreiro luta com habilidade. O assassino não é páreo para ele. Com o resto do bando de assassinos já mortos, não demoraria para este ultimo se juntar a eles. E foi feito. Com um golpe rápido e preciso o destruidor de minha família foi ao chão. Os outros cavaleiros comemoram.
Agora, o guerreiro que me fez justiça caminha em minha direção. Com um leve sorriso e um olhar acolhedor o jovem guerreiro se aproxima. Ele diz se chamar Lucas… Lucas Greylode e me estende a mão. Ele me diz para seguir com ele. Que irei ficar bem. Ele me diz que os cavaleiros de Furyondy me protegerão.
…
Estou zonzo.Ainda não consigo enxergar.O golpe foi muito forte.
…
Vejo os anos passarem como flechas diante de meus olhos. Estou com 13 anos agora. Vivo em uma pequena fortificação pertencente ao guerreiro que me salvou no passado. Após o ocorrido, ele me contou que minha família foi seguida por um grupo de ladrões, atraídos pelos altos ganhos de meu pai naquela época. Por obra dos deuses a patrulha dele passava próxima e avistou a fumaça que subia da emboscada que foi preparada. Ele lamenta não ter chegado a tempo de salvar meus pais mas me conforta dizendo que eles ficaram juntos ate o fim e que continuam juntos após a morte. Ele me ofereceu abrigo e comida em sua propriedade após a perda de minha família. Aqui sou bem tratado e cuido dos cavalos do Sr. Greylode no pequeno haras que ele possui. Gosto de viver aqui.
Mais anos passam. Não vivo mais no haras. Moro na construção principal. Fui convidado por Lucas Greylode para morar junto a ele. Outras duas crianças vivem aqui, filhos do próprio Lucas.
A menina chamasse Lihana. Ela não conversa muito, mas me trata bem. Sempre a vejo brincado sozinha pela casa ou observando os cavalos. Foi com eles que consegui sua simpatia. Ensinei lhe a montar quando reparei em seu interesse pelos cavalos do pai. Ela aprende rápido. Lihana cavalga com determinação e elegância. Será uma grande mulher. Ela será uma mulher linda.
O outro filho chama-se Arthur. Este não aparece muito pela casa. Esta sempre recluso em seu quarto, afundado em livros e pergaminhos, somente aparecendo quando seu pai retorna das viagens. Em um desses regressos de Lucas, percebo que Arthur não gosta de mim. Não me surpreendo pois nunca nos falamos. Ele me ignora na casa. Durante o jantar Lucas presenteia seus filhos e a mim também. Vejo a indignação nos olhos de Arthur ao ver que o pai trouxe para mim um presente igual ao dele. Arthur me fulmina com o olhar e sobe para o quarto.
A noite escuto uma discussão entre pai e filho. Lucas parece insistir para Arthur ingressar na academia militar. Arthur nega. Ele diz que as fileiras de guerreiros devem ficar para os menos importantes para a sociedade. Que aqueles que vencem a guerra são os nobres, em seus castelos e com suas fortunas, que financiam o resto que luta. Lucas brada palavras de forte impacto moral ao ouvir isso. Ouço um barulho que parece um tapa. Ouço o choro de Arthur e barulho de porta batendo. É o fim da discussão.
O tempo voa novamente. Estou no meu 1º ano na academia de guerreiros. Lembro do sorriso de Lucas, tempos atrás, ao me flagrar bradando uma espada enferrujada , afugentando um grupo de jovens que pretendiam roubar um de seus cavalos. Não demorou muito para o próprio Sr. Greylode treinar-me pessoalmente. As aulas ocorriam sempre que ele retornava de suas viagens enquanto, na sua ausência, eu me dedicava de corpo e alma ao manejo da espada.
Outro clarão. Vejo varias cenas seguidas. Ataques a covis orcs. Resgates improváveis. Batalhas contra gigantes. Combates contra feras inimagináveis. Estou sempre ao lado de Greylode. Uma cena e mais longa. Estamos agora no fim de um combate contra Gnolls, salteadores que roubavam viajantes nas estradas. Muitos gnolls mortos. Olho para o lado e vejo o Major Greylode derrubar o líder dos gnolls, um grande ogro de 2 cabeças. O Major esta distraído. Uma das criaturas, dada como morta, se ergue por trás dele para tentar um ultimo golpe. A reação deve ser rápida e precisa.
Na velocidade de um raio, eu retiro a espada do corpo do gnoll que derrubei e arremesso contra o outro que se erguia. A lâmina voa com maestria e precisão, acertando o peito do gnoll. Atônito, o major apenas observa a criatura tombar, finalmente morta. Ele se vira para mim em tempo de me ver ainda com o braço e riste. Ele se aproxima e agradece por ter salvado sua vida. Diz estar em divida comigo. Eu retruco, lembrando a ele que não há dívida entre nós e que foi ele que me salvou primeiro, quando criança. Ele me olha por inteiro. Sinto alegria e orgulho em seu olhar. Ele coloca a mão em meu ombro e sorrir. Ele diz que realmente não existem dividas entre amigos.
…
Meu ouvido e invadido por gritos e urros.O barulho é quase ensurdecedor.Mais de mil vozes clamam um nome: Morte, morte, morte…
…
Espadas, lanças, machados e sangue, muito sangue. Os anos que se passam são uma sucessão de guerras e batalhas. A vida de um soldado. Sou o atual capitão da tropa antes liderada por Greylode. Estou em uma missão que parecia simples, mas tornara-se um inferno. Deveríamos averiguar a movimentação do clericato de Iuz em uma vila não muito longe de Chendl (Capital do Reino). Ao chegar lá constatamos que varias mulheres estavam sumindo misteriosamente.
Descobrimos que elas eram sequestradas e usadas em sacrifícios em uma caverna não muito longe. Estavam eu e mais três homens naquela missão. Os clérigos de Iuz ainda tinham uma mulher com vida nas mãos. Não poderíamos ficar parados. Tínhamos que dar um basta naquela atrocidade. Tínhamos que salva-la.
O combate contra os sacerdotes da capela de Iuz foi feroz. Magia Negra e criaturas das trevas foram usadas contra nós. Contra eles, usávamos aço e fé. Porém, éramos poucos e nem toda coragem as vezes é suficiente. Olho para os lados e vejo meus aliados tombando um a um. Ate que só resta a mim, lutando. Curiosamente, durante a batalha, noto uma fenda no teto da caverna. Desta fenda, um feixe de luz solar sai e me atinge o peito. Sinto levemente o calor do sol sob minha armadura. Ela esteve ai por todo o combate. Trazendo luz em meio a tanta escuridão.
Sinto que o fim pode estar próximo. Estou cercado pelos asseclas de Iuz. Já muito ferido e esgotado, executo minha ultima investida contra os sacerdotes da enganação. Em um movimento rápido e forte, corto ao meio um dos oponentes. O mesmo movimento acerta mortalmente outro oponente próximo, tamanha foi a força empregada no ataque. Meu ataque seguinte acerta a garganta do clérigo que visava meu flanco, matando-o, mas não antes deste desferir um ferimento de morte em mim.
Meu sangue se esvai com rapidez. A dor é imensa. Cambaleio ate a jovem mulher e corto suas amaras. Ela, em prantos, me abraça em agradecimento. Sentindo que minha morte se aproximava eu peço para que ela vá embora. Que volte para casa. Ela reluta ao ver meu estado mais vai embora após eu gritar lhe para partir. Minhas pernas formigam. Já não tenho forças para ficar de pé. Tento caminhar ate a entrada da gruta mais, no meio do caminho, vou ao chão. Só me restam forças pra virar e contemplar o teto da caverna. Percebo que a luz do sol continua a iluminar e aquecer meu peito. Radiante, o feixe trás conforto em minha hora final. A vista vai escurecendo. Já não sinto mais dor. Verei minha família.
Barulho de lenha crepitando. Começo a despertar. Estou deitado em uma pequena cama. Tento me levantar mas sinto muita dor no local atingido. Estou coberto de bandagens. Pelo visto, fui salvo. Estou no que parece ser um pequeno templo. Pela decoração, a igreja pertence aos clérigos do Deus Sol, conhecido nestas terras como Pelor. Sol! A luz que atingia meu peito enquanto eu lutava na caverna. Que atingia meu peito! Seria uma intervenção divina do Deus Sol que me salvou da morte?
Ouço vozes. Som de conversa. Através da porta vejo dois homens conversando. Um deles é Lucas, mas o outro e não reconheço. É mais alto que Lucas e traja uma armadura completa. Possui uma capa cujas cores lembram a bandeira de Furyondy. Após alguns instantes, Lucas caminha em minha direção. Seu semblante é serio.
Vendo que estou acordado ele demonstra um leve sorriso. Diz que e realmente um milagre eu ainda estar vivo. Tento explicar o que ocorreu, mas ele disse já saber. A mulher que foi salva trabalha naquele templo e contou tudo para ele. Diz que sou um grande guerreiro e que as mortes de meus aliados foram honradas. Que eu os vinguei. Morreram a serviço de Furyondy.
Ele diz que o homem que estava ali com ele pertencia ao alto escalão do exercito e estava precisando de mim. Lucas me diz que ele mesmo me indicou e que há muito tempo estou sendo observado de perto. Ele me informa que, logo que eu me recuperar, devo seguir com aquele homem sem nada dizer a ninguém. Eu não voltaria mais para o castelo Greylode, não agora. Eu serviria a Furyondy de uma maneira mais secreta. Eu entenderia mais tarde.
Lucas me diz que foi uma honra ter servido ao meu lado. Que, ao longo do tempo, fomos mais que amigos. Cultivamos uma família. Que para ele estava predestinado pelos deuses ele ter me salvo quando criança. Com muito orgulho e satisfação ele se despedia de mim ali. Agradeço-o por tudo que fez por mim. Por ter me dado abrigo, comida, treinamento, companheirismo e, principalmente, um motivo para viver. Uma Pátria para servir. Princípios para honrar.
A despedida é breve porem cheia de significado. Antes que Lucas saia, pergunto-lhe o que ele dirá para a jovem Lihana. E a ela será dito uma longa viagem, de muitos anos o aguardava e já estava na hora de fazê-lo. Para os demais, ele diz sorrindo, eu estarei morto.
Os dias passam. Estou completamente recuperado. O homem me espera na frente do templo. Ele diz se chamar Heladarion. A organização para que trabalha chama-se Espadas da Furya. Digo que nunca ouvi falar. Ele responde que é para continuar assim afinal, eles não existem. Heladarion diz que, tudo que sei não é nada diante o que irei aprender de agora. Guerreiros não são aqueles que sabem manejar uma espada e sim aqueles que fazem da espada parte de seu corpo, de sua alma. Aperfeiçoar corpo, mente, alma e lâmina é essencial. Em breve eu seria como ele, um Kensai.
O tempo se desfaz. Dias, meses, anos de treinamento, reflexão e disciplina. Vários momentos de minha vida em uma forte correnteza. Seguindo sempre em frete. A última coisa que consigo distinguir é, muito tempo depois de me despedi de Lucas no templo do Deus Sol, estou de volta ao castelo Greylode.
Os anos e o cansaço chegaram rápidas as paredes deste lugar. Lucas esta ficando velho, mas ainda ostenta toda a sua gloria de outrora. Com tristeza e desespero ele me fala sobre o rapto de sua filha Lihana. Ele me pede para encontrá-la e trazê-la de volta, a salvo, para casa. Sem dizer nada eu saio. Em busca da filha de um amigo. A linda e jovem Lihana esta em perigo e eu irei salva-la.
…
Minha visão esta de volta. Olho e vejo o sangue, misturado ao meu suor, gotejar nas areias da arena dos porcos.Ao meu lado jazem os corpos mutilados de meus inimigos.Acima de mim a multidão esta faminta! Sangue é seu vinho. A morte seu pão.Eu me ergo novamente. Minha busca é sagrada. Nada neste mundo irá me fazer parar. Trago ordem para este caos. Luz contra estas trevas.Neste mundo de total escuridão, eu não tenho sombras a temer.
…
Nota do Mestre
1. A sede dos Kensai em Furyondy ficava localizada na cidade de Pantarn, porém a cerca de 15 anos mudou-se para a Cidadela de Greylode. É de lá que hoje Heldarion comanda a legião de guerreiros obstinados por Furyondy.
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Fantáááááástico histórico! Parabéns! Gostei muito! Muito bem feito e por isso acaba prendendo a atenção do leitor.
É uma narrativa realmente empolgante. Fazia tempo queria publicar aqui na Orbe.
Parabéns Fabrício.
Muito bom! Parabéns a Fabrício pela criação do personagem.
Que mais textos criados pelos jogadores apareçam cada vez mais na Orbe.
Isso é muito importante para o enriquecimento da campanha, além de incentivar o Mestre.