“– Veja com seus olhos, pai. Demorei, mas encontrei este maldito ninho de ratos!”
jovem soldado da igreja de Tempus, Amon Yeates, estava investigando há semanas o desaparecimento de crianças na cidade de Essembra. Após investigar os fatos, as pistas levaram-no ate esgotos da cidade de Colina Longínqua, onde ele descobriu a localização das crianças sequestradas, em sua maioria garotos. Amon foi levado por baixo das ruas da cidade, onde comerciantes ilegais, criminosos e todo tipo de bandido se reunia e participava de apostas, trafico e jogos de azar.
Dentre estas atividades, uma em particular causava mais asco ao guerreiro. Uma rinha de briga, onde crianças lutavam entre si como adultas. Meninos com pouco mais de uma década de vida guerreavam para que seus donos lucrassem com suas vitorias. A própria cultura local contribuía para estes jogos, mas dai a utilizar crianças, era demais para Soldado de Tempus. As lutas eram cruéis e sangrentas, onde, invariavelmente, o derrotado não saia vivo do ringue.
Amon estava enojado. Foram dias ansiando por encontrar os malditos sequestradores. Ao que tudo indicava, tratava-se de seguidores de Garagos. Era difícil assistir aquilo e nada fazer. Ele não podia estragar seu disfarce, pelo menos não até hoje. Junto com ele estavam outros soldados, também disfarçados de apostadores e comerciantes naquele circo de horrores. Seu próprio pai e superior, Gangaster Yeates estava presente. Ele queria ver com os próprios olhos aquela barbárie praticada pelos seguidores do destroçador. Porem, ali naquele local e naquela noite tudo teria fim.
Num cercado improvisado e transformado em ringue, a luta prendia a atenção do experiente clérigo e de todos os presentes. Um garoto de cabelos levemente dourados lutava com outros três, estes mais altos e fortes que o menino. Acuado em um canto, o rosto coberto pelos longos cabelos, embebidos e suor, sujeira e sangue tentava se proteger. Era uma luta desigual, injusta e infame porem, mesmo os olhos cansados de longos anos de luta e sacerdócio do Clérigo não deixaram de ser surpreendidos.
Contrariando as apostas, contrariando as chances e contrariando todos que assistiam a luta lucravam com sua morte, o garoto acuado investiu contra os oponentes. Atirando-se em direção ao que parecia menos forte, a pequena fera de cabelos dourados agarrou-se contra a cabeça do menino quando este tropeçou ao tentar recuar do ataque. Sobre o oponente que gritava de dor, só se via o garoto loiro e imundo sacudir a cabeça freneticamente, assim como um cão quando abocanha sua comida, tentando despedaçar carne de osso.
Silencio no ambiente. Até mesmos os treinados soldados disfarçados parecem hipnotizados com a cena. Nas areias da pequena arena, todos exclamam ao ver o até então acuado garoto erguesse sobre um corpo imóvel. Na boca, preso entre os dentes, pele e carne ensanguentadas. O rosto lavado em sangue do oponente derrotado lhe dava a aparecia de uma besta, um pequeno diabo solto entre as duas presas que ainda restavam. Imóveis e pasmos, os garotos foram surpreendidos mais uma vez quando, de repente, a pequena fera avançou também sobre eles.
Medo. Gangaster conhecia aquele cheiro. Não por ter experimentado, mas por ter sentido ao longo dos anos nos inimigos que enfrentou. O odor não vinha somente do ringue, mas de todos que assistiam. Incrédulos, os apostadores presenciavam não só a perda das moedas apostadas contra o menino, agora fera. Presenciavam uma criança devorando outras crianças. Armada somente com unhas, dentes e uma fúria animal, o pequeno garoto arrancava gritos e lagrimas ali em baixo. O mais fraco tentava sair, chorando e chamando por uma mãe que não existia. O mais resistente, já sem uma orelha, tentava se desvencilhar das garras da pequena besta de cabelos dourados, em vão.
Determinado a encerrar aquela atrocidade e vendo na perplexidade dos presentes a oportunidade ideal, Gangaster assente com a cabeça para o filho Amon. Os soldados do clero de Tempus, devidamente posicionados nos principais pontos de fuga enquanto outros em vantagem estratégica contra os principais alvos que controlavam aquele antro, ao ouvirem a ordem de Amon executam com maestria o plano.
“- Em nome da Igreja de Tempus, eu ordeno que parem!”
A voz imponente do guerreiro ecoa e pega todos os presentes de surpresa. Atônitos, antes de pensarem em fugir ou sacarem armas, foram rendidos pelos soldados ali presentes e ocultos. Os mais medrosos ajoelharam ao chão, mãos atrás da cabeça. Sabiam que não tinham escapatória. Assim, foi a vez do Gangaster proferir sua sentença:
– Eu sou Gangaster Yeates, Clérigo da Igreja de Essembra e sob a autoridade e poder concedidos por Tempus a mim, ordeno que se rendam! Estão todos presos! Resistam ou rebele-se e serão destruídos! Aos vermes que se deleitavam com essa barbárie, retirem tudo deles, desarme-os e coloque-os em celas para que todos vejam. O frio, a umidade e os ratos serão suas companhias.
E os soldados do clero de Essembra agiram. Prostitutas, bêbados e bandidos presos. Todos foram amarrados e despidos. Do lado de fora, soldados os colocavam nas celas improvisadas da “arena dos esgotos”.
La dentro, somente os lideres daquele jogo sujo permaneceram. Desarmados e desesperados. Todos sabiam da gravidade do que cometiam. E Gangaster continuou:
– Aos que aqui ficaram, eu, Gangaster Yeates, Clérigo de Tempus, sob a autoridade e poder concedidos pelo meu Deus, condeno todos aqui presentes. Pelos crimes de abuso de incapaz, exploração infantil, escravidão, jogos de azar e tortura julgo todos culpados por esta infâmia! Julgo todos indignos de viverem sob o mesmo sol que eu caminho. Julgo aqui todos indignos de respirar o mesmo ar que respiro e em nome de Tempus, eu executarei vocês, covardes!
Com movimentos rápidos, a ordem foi seguida por cada soldado presente. Gargantas cortadas, troncos atravessados e entranhas expostas. Todos que conheciam o clero sabiam da intolerância a covardia que os filhos de Tempus carregam. Todos que conheciam Gangaster sabiam da repulsa que ele tinha por vermes como aqueles. O próprio clérigo tomou para si uma das almas desafortunadas que promovia aquele espetáculo bisonho. Seu filho, Amon Yeater, se encarregou de pôr fim ao último ainda vivo. Com um golpe rápido, sua espada larga atravessou o corpo do oponente numa velocidade tão grande e tamanha a força empregada no ataque que a lâmina sequer sujou-se de sangue. Porem foi suficiente para dividir o inimigo em duas metades, inertes, vazias e sem vida.
– Senhor Gangaster, disse um dos soldados, encontramos as crianças presas em jaulas ao fundo. Todas estão bem debilitadas, senhor. Já estamos recolhendo-as e prestando os primeiros socorros.
Mais à frente, Amon estava em pé, na borda da pequena arena improvisada. Ele olhava para algo lá em baixo, na areia. Apontando para o centro, chamou o Clérigo.
“- Pai, olhe.”
Sentado, ao centro da pequena arena de areia, agora vermelha, banhada pelo sangue alheio, estava o pequeno garoto. Pouco podia-se ver de sua pele. Estava completamente banhado em sangue, dos pés à cabeça. Sangue vermelho, enegrecendo por secar ao calor do corpo. Ao seu redor, os corpos dos seus inimigos, aqueles que ousaram lhe ameaçar, estando obrigados a isso pelos escravistas ou não.
Os três estavam mortos. Assim como Gangaster condenou e executou os criminosos, o garoto havia condenado e executado seus oponentes. Mesmo pequeno, ele sabia que aquela não fora a primeira nem a última vez que mataria se fosse ameaçado. Agora, sentado no meio dos mortos, o menino sabia que estava seguro.
– Amon, traga-o até mim. Algo me diz que estamos diante de algo único em meio a essa podridão”. Olhando para o garoto que agora o observa diretamente, Gangaster somente consegue ver seus olhos. Sua face escondida, o rosto oculto pelos longos cabelos, agora vermelhos de sangue, lhe dava a aparência de um elmo maciço, tal qual usado pelo próprios avatares de Tempus.
O clérigo sente no olhar do menino uma força tangente, ardente e palpável. Algo lhe diz que ali há mais que um menino. Naquele pequeno campo de batalha o garoto fez seu nome, lutou de igual para igual contra inimigos mais poderosos e em maior número. Naquela pequena guerra ele conseguiu o improvável, venceu e agora contemplava seus inimigos derrotados e caídos. Ele precisa trazer para sua crença o garoto. Gangaster agora temia que a força daquele pequeno guerreiro despertasse também o interesse do próprio Garagos.
“– Traga-o até mim, meu filho. Tempus olhará por esta criança. Este garoto será, de agora em diante, abençoado pelo próprio Deus da guerra”.
Esse é um texto original escrito por Fabrício Nobre e Diogo Coelho. Dentro em breve vocês conhecerão os fatos seguintes a essa emocionante história que desdobra maiores detalhes sobre a gênesis de Fharagauwer!