Os fragmentos do texto encontrado nas próximas linhas, é um registro raro do sacerdote de Pelor Kalin durante seu exílio na Terra dos Escudos. Este reino completamente tomado pelo terror das hordas de Iuz foi parte da passagem do sacerdote durante sua escravidão ante as forças obsessoras do Império.
Este é um texto original de autoria de Bruno Simões, além destes haverão outros, não ordenados, que narram essa épica história de um sobrevivente.
25 de Passagens de 587 CY
Antes da caravana de capturados seguir para Ikruk, paramos em Forte Beiralago. Afinal, estávamos no território de Iuz e hoje era dia dele, então, haveria comemoração. Meu temor era: como os seguidores de Iuz comemoram seu dia? Eu estava prestes a descobrir…
Forte Beiralago é realmente pequeno, construído aparentemente de forma a não chamar a atenção. Até mesmo seu porto é escondido, em um recuo do Nyr Dyv. Antes mesmo de entrar no forte, senti um cheiro forte, seguido de gritos sofridos.
Na abertura dos portões, entendi do que se tratava: escravos eram torturados na praça que ficava imediatamente além do portão, e o cheiro era de carne queimada misturado com sangue. Ali, definitivamente, eu estava em território hostil. Seria estupidez avançar sozinho contra um exército inteiro, e, mesmo que eu fosse poderoso o suficiente para ganhar tal batalha, atrairia toda a atenção do Império de Iuz, o que seria outra estupidez.
E provando o destino daqueles que ousassem fugir ou rebelar uma cena impressionava a todos.
Desta forma, o jeito seria pensar, e exercitar muito minha paciência. O resto deste dia, passaríamos na masmorra, ou assim eu pensava.
Afinal, eu fui um dos 5 escolhidos para as atividades de “Encerramento” do festival.
Enquanto discutia com Tan algumas estratégias, a porta da masmorra abriu num rompante, e eu, mais 4 pessoas (o halfling não foi escolhido) fomos agredidos até desmaiar.
Quando recobrei a consciência, estava lado a lado com os outros quatro homens, numa plataforma alta no meio do salão. Na minha frente, o “público” se dividia em dois: mais próximos, alguns homens aparentemente de patente mais alta, entre eles, os capitães dos navios que atacaram a “Benção de Velnius”, e Kutshev. Mais ao fundo, os demais seres (humanos, orcs, etc), com vestes comuns.
Na plataforma, além de nós 5, estavam dois homens com chicotes, e um outro individuo, que não consegui reconhecer, que ostentava um grande símbolo de Iuz em suas vestes. Assumi que fosse um clérigo. Este individuo falou, com sua voz grave profunda:
“Valorosos habitantes do Forte. Saudamos o retorno de nossos companheiros que navegavam no Nyr Dyv, justamente no dia mais importante para o Supremo Iuz! Dou-lhes às boas vindas, e, de forma a reconhecer seus exímios serviços, gostaria de convidar o Senhor Kutshev em pessoa à derramar o primeiro sangue nesta cerimônia exclusiva.”
“Tenho aqui comigo, uma unção, que será aplicada após as primeiras chicotadas. Esta unção faz que o fogo queime a pele de forma mais lenta, de forma a prolongar a dor. Esta cerimônia deve durar até o fim do Dia de Iuz!”
Tenho que confessar: qual mente doentia criaria uma unção dessas!? Respirei fundo, pois sabia que aquilo seria lento e doloroso.
Kutshev aplicou as primeiras chicotadas, e dois dos homens não suportaram e desmaiaram. Ao receber a minha chicotada, entendi o motivo: ele era muito forte.
Em seguida, o clérigo aplicou a tal unção, que, como não poderia deixar de ser, ampliou a dor causada pelos cortes. E logo depois, o fogo. Não consigo descrever a dor que senti naquele momento, mas, quando estava prestes a perder minha consciência, ouvi uma sequencia de palavras que reconheceria em qualquer lugar: alguém estava conjurando uma magia de cura. E eu era o alvo. A magia me recuperou um pouco, o suficiente para que eu virasse a cabeça e visse o clérigo utilizando uma varinha. Claro que seria uma varinha, Kalin; afinal, ele não pode conjurar magias de cura, só de dor.
Não sei quanto tempo passou, mas me pareceu uma eternidade. Ao fim da cerimônia, eu estava mentalmente exausto, e meu corpo em frangalhos. E dos outros homens, apenas um ainda estava vivo.
No dia seguinte, implorei que Tan pedisse algumas coisas básicas, como água, rum forte e panos limpos, para que eu começasse a me recuperar do trauma da noite anterior. Se o Império de Iuz fazia questão de me ter como inimigo, eles estavam conseguindo, com maestria.
A ideia era usar os poucos banhos que eu teria direito nos próximos meses, para usar meus poderes de cura, e me recuperar completamente da noite de ontem. Isso, no fim das contas, funcionou bem. Enquanto isso, água, o destilado e os panos iriam servir de paliativo. E então, seguimos para Ikruk.
7 de Limiar de 587 CY
A viagem entre Forte Beiralago e Ikruk levou 2 dias. A estrada segue para o norte e em certo ponto toma o rumo oeste. Meu corpo dói. Minha mente dói. Ikruk tem um tamanho parecido com Pontyrel, mas num ambiente completamente diferente. Cada um dos servos de Kutshev possuía seu próprio séquito de escravos, e para cada homem livre (sem corrente) que vi em Ikruk, contei cinco escravos. Isso, no futuro, pode ser uma vantagem.
Felizmente, o ocorrido no Forte Beiralago não ecoou por muito tempo, e fui designado para tomar conta do casal de filhos de algum parente distante de Kutshev, cuja mãe havia sucumbido à uma doença a qual eu nunca tinha ouvido falar. As crianças precisam de mais 10 meses em casa, até serem designadas à cozinha e ao exército.
Algo que vale como nota: vi pouquíssimas escravas mulheres. Mais tarde, descobri que as poucas existentes, serviam como escravas sexuais, e as (raras) mais velhas serviam como cozinheiras, sempre sob a supervisão ostensiva de algum homem de confiança de Kutshev. Parece que envenenamento era uma preocupação recorrente por ali.
Hoje, há poucas pessoas na cidade. Pelo que ouvi, a maioria dos homens está caçando ou colhendo. Afinal, o inverno chegará em breve. Nesse meio tempo, preciso entender como funciona melhor a estrutura da cidade, e pensar no que fazer. Tan foi designado como combatente (parece que há uma pequena arena onde os escravos se degladiam), então, não o vejo há uma semana.
9 de Inverno de 588 CY
Ao contrário do que eu imaginava, o inverno é ameno aqui em Ikruk. O ambiente é um pouco mais carregado, devido à sombra de Iuz, mas as pessoas (humanos, no geral) tem uma rotina parecida como em qualquer outra cidade do mesmo porte. Gostaria de dar lições de moral para as duas crianças, mas, se fizer isso, coloco em risco toda a missão. Falando nelas, essa semana, salvei Ekaterina da morte. É uma doença comum em crianças em Leukish, com dificuldade de respiração e febre muito alta, mas parece ser bem rara nessa região de Flanaess. Simulando desespero, pedi algumas ervas fáceis de encontrar na cidade, preparei uma infusão (inofensiva, mas sem efeito prático nenhum), e pedi 3 dias para que ela se recuperasse. A ideia era usar esse acontecimento para conquistar um pouco mais de confiança.
O engodo funcionou, e apesar de ainda faltarem alguns meses, fui designado como curandeiro auxiliar da arena de combate, onde a incidência de doenças era alta. Ali, estaria mais próximo de outros escravos, e poderia começar a colocar meu plano em prática: eu precisava formar um pequeno núcleo de pessoas confiáveis, em posições chave. O objetivo: plantar uma ideia de incursões militares nas proximidades de Critwall, obrigando esta cidade a revidar. Quando Critwall atacar, implodimos Ikruk por dentro. Como fazer isso: convencer os chefes de Ikruk que seus escravos são extremamente fortes e hábeis.
É um plano ousado, e depende de Critwall aceitar a provocação, além de precisar que eu seja discreto no uso das minhas magias. Só que provocar Critwall seria mais fácil do que eu imaginava…
Continua, a cada semana uma parte virá a tona dessa impressionante história de insurreição!